Cacique de Ramos: ainda doce refúgio

Lá, onde as tamarineiras são da poesia guardiãs, o samba ainda existe. Continua perto de tudo, ali no subúrbio do Rio. A quadra da rua Uranus segue revelando talentos, mas se tornou difícil concorrer com o sambanejo e as regravações de bambas do passado. Aos Partideiros do Cacique de Ramos, resta manter as tradições daquele doce refúgio. Eles sabem que a fonte não secou. “Todo feijão tem que ter um bom tempero. O importante é não deixar aquilo ali morrer”, diz Banana, um dos líderes dessa não tão nova geração de sambistas do Cacique de Ramos, bloco carnavalesco que revelou nomes como Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz e qualquer outro sambista que você lembrar que fez sucesso nos anos 80. A madrinha da rapaziada da zona da Leopoldina continua sendo Beth Carvalho, que convidou os partideiros para abrir seu show no Circo Voador, na última semana, pelo programa Samba Social Clube da MPB FM. “É uma casa maravilhosa, com gente de todas as tribos. A idéia de fazer uma roda, fora do palco, foi ótima. A galera toda cantou com a gente. O povo está carente disso, né?”, indaga o partideiro. Banana é uma figura responsa. Pode até intimidar pelo tamanho, mas lá de cima sai um papo maneiro. Do amor pelo batuque, criou a marca de camisas “Coisa de Samba”, com estampas como São Jorge, pandeiros e o símbolo do Cacique. Batizado Henrique Hatischvili, ele é de família de bambas e honra a tradição: neto de João da Baiana e filho de Neoci, fundador do Fundo de Quintal e um dos maiores partideiros da história.



“Eu tenho 38 anos, o Fundo tem 28. Vi muita gente passar pela minha casa. Meu pai levava todo mundo. Mussum, Zeca, Almir Guineto, Jorge Aragão, que era meu vizinho. A Beth vivia lá, adorava o feijão da minha mãe. O Sombrinha já morou na minha casa, quando meu pai o trouxe de São Vicente para tocar no grupo”, lembra. Com uma história dessas, coisa ruim não poderia sair de uma banda formada por ele. Os Partideiros do Cacique contam com Banana, Carlinhos Tchatchatcha, Marcinho do Pandeiro, Márcio Vanderlei e Renatinho Partideiro. Eles dão conta do recado e puxam sambas dos seus ídolos da rua Uranus. Mas também arriscam inéditas. “Todo compositor é bem-vindo. Lá sempre foi assim. Havia a tradição de toda quarta-feira ter roda para apresentar sambas novos”, diz Banana. Para quem quiser se arriscar a versar, o pagode rola das 17h às 22h no tradicional endereço do bloco. “Mudamos o dia para domingo. Mas tem que ser samba bom, não adianta pisar na grama sem chuteira”, afirma Banana, lembrando que para participar da roda também precisa ter gogó. “O Cacique de Ramos é o único pagode que rola há quase 30 anos sem o uso de microfone.” Dos anos 80 para cá, muita coisa mudou no samba. A geração do Cacique deu origem ao pagode meio mauriçola, que dominou as rádios na década seguinte. Banjo, tantan e repique de mão viraram peças presentes em todos os grupos. Vale lembrar que a maioria dos líderes daquelas bandas cresceu ouvindo a galera do Cacique e muitos passaram a infância freqüentando a quadra.

Banana até defende esses grupos. “Eles abriram caminho para muita gente. Kiloucura, Molejo, Exaltasamba. Muitos acabaram, mas havia qualidade”, diz o partideiro. Não há como negar, contudo, que o mercado fonográfico ficou saturado do estilo deles. E a galera que havia começado o movimento nos anos 80 voltou a ser procurada. Zeca, com seu disco ao vivo de 1997, bateu recordes e tornou-se ídolo nacional. Nessa linha, Arlindo Cruz é referência e cedeu cinco músicas para Maria Rita gravar, no álbum recém-lançado. Mas quem está começando agora, como é que fica? Está difícil encontrar compositores jovens sendo gravados pelos bambas. Dudu Nobre surgiu como novidade, mas depois dele poucos apareceram e se firmaram. Banana garante que a história está mudando: “Caetano, Moisés, Adrianinho e Márcio Vanderlei, da nova geração, estão sendo gravados. Muitos grupos que surgiram na trilha do Fundo acabaram, mas tem muita gente boa. O Xande de Pilares, do Revelação, vivia com a gente lá na quadra”, afirma Banana. “Tomara que apareça alguém para substituir a gente.” Para uns, o Cacique é uma cachaça. Para outros, religião. Continua assim, com o samba em alta bandeira. Vai aparecer, para cantar com os passarinhos na manhã.

fonte: Thales Ramos e Thiago Dias (o samba é meu dom)

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