Juliana Diniz

A genética não poderia ter sido mais favorável. Filha de Mauro Diniz, um dos principais instrumentistas e arranjadores da geração de sambistas que veio à tona nos anos 80; e neta do mestre Monarco, homem de frente da Velha Guarda da Portela e um dos mais importantes compositores do samba; Juliana Diniz cresceu numa família de bambas cercada de boa música por todos os lados. Em seu CD de estréia, que acaba de sair pela gravadora Universal, ela usa essa herança musical a seu favor e grava um dos discos mais bonitos da história recente da música brasileira.

Uma primeira e mais evidente virtude do CD é o timbre aveludado e delicado da voz de Juliana, que se mantém sempre firme e precisa em sua divisão musical. Seja no samba sincopado, no samba-choro, no maxixe ou nas raias do samba romântico. Aos 18 anos, a moça chega para dividir espaço com jovens artistas como Dorina e Tereza Cristina, pelo que as três têm de maciez e força no cantar. Se a música brasileira passou algum tempo revelando cantoras de apurada e elitizada formação vocal - muitas vezes com cursos e mais cursos no exterior -, essa trindade da qual faz parte Juliana vem resgatar um canto mais espontâneo e livre. Mais do que cantoras ''de'' samba, as três são cantoras que vêm ''do'' samba.

Uma outra virtude do CD é o fato de Juliana conseguir transitar, sem afetação nem ortodoxia, por diferentes gerações do samba. A produção é do veterano Rildo Hora e de Zeca Pagodinho, que apadrinhou a moça e cedeu uma música para o disco (a romântica ''Nunca mais ter que sentir saudade'', parceria com Jorge Aragão). Zeca e Rildo, que também assina a composição de uma das faixas do CD (''Para ficar''), são de uma geração de compositores formada por nomes como Arlindo Cruz, Sombrinha, Luiz Carlos da Vila e Claudio Jorge, que aparecem em diferentes momentos do disco (como ''Princípio do Infinito'', de Claudio e Luiz Carlos; ''Ares do Céu'', de Sombrinha, Sombra e Jotabê; e ''Nos braços da batucada'', do prolífico Arlindo).

Dessa geração, cuja matriz foi o bloco carnavalesco do Cacique de Ramos, também faz parte Mauro Diniz, pai de Juliana. Em 2003, Mauro apresentou a filha cantora em seu (primoroso) Apoteose ao samba, disco em que Juliana, então com apenas 16 anos, dividia com o pai os vocais de ''Alvorecer'', de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho. A faixa foi reproduzida nesse CD de estréia de Juliana. Da dupla, ela ainda grava ''Nasci para Sonhar e Cantar'', onde reafirma sua grande extensão vocal e o tom lírico de suas inflexões. Além de Dona Ivone, a velha guarda do samba é representada no CD por Monarco e Alcino Correia (''Beijo na Boca'') e por Manacéa (baluarte portelense autor da belíssima ''Amor Proibido'').

Da nova geração, Juliana grava Dudu, filho de Zeca e autor de ''Apelido Carinhoso''; e a dupla brasiliense Caio e Milena Tibúrcio (''Não complica''). Grava também Marisa Monte, sua principal referência vocal para além da fonte familiar. Dela, Juliana registra ''Eu sonhei com você'', parceria de Marisa, Arnaldo Antunes e Mauro Diniz. ''Eu quero voltar a escutar/ Dos seus lábios, galáxias dizendo que sim'', diz a feliz letra de Arnaldo. Pairando atemporal sobre as três gerações contempladas no disco, Paulinho da Viola presenteia Juliana com ''Coração aos saltos'', um samba-gafieira que mostra que o sambista está em plena forma como compositor.

Ao invés de engessar ou confundir o sentido geral do CD, esses diferentes extratos de samba fazem do disco uma calorosa celebração da alegria e do romantismo. E prova como o bom samba mantém seu frescor em qualquer época. Em especial, se embalado por uma grande voz como a de Juliana. A árvore frondosa da melhor música brasileira continua dando ótimos frutos. Que assim seja por muito tempo.

Fonte: Felipe Araújo

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