
Uma primeira e mais evidente virtude do CD é o timbre aveludado e delicado da voz de Juliana, que se mantém sempre firme e precisa em sua divisão musical. Seja no samba sincopado, no samba-choro, no maxixe ou nas raias do samba romântico. Aos 18 anos, a moça chega para dividir espaço com jovens artistas como Dorina e Tereza Cristina, pelo que as três têm de maciez e força no cantar. Se a música brasileira passou algum tempo revelando cantoras de apurada e elitizada formação vocal - muitas vezes com cursos e mais cursos no exterior -, essa trindade da qual faz parte Juliana vem resgatar um canto mais espontâneo e livre. Mais do que cantoras ''de'' samba, as três são cantoras que vêm ''do'' samba.
Uma outra virtude do CD é o fato de Juliana conseguir transitar, sem afetação nem ortodoxia, por diferentes gerações do samba. A produção é do veterano Rildo Hora e de Zeca Pagodinho, que apadrinhou a moça e cedeu uma música para o disco (a romântica ''Nunca mais ter que sentir saudade'', parceria com Jorge Aragão). Zeca e Rildo, que também assina a composição de uma das faixas do CD (''Para ficar''), são de uma geração de compositores formada por nomes como Arlindo Cruz, Sombrinha, Luiz Carlos da Vila e Claudio Jorge, que aparecem em diferentes momentos do disco (como ''Princípio do Infinito'', de Claudio e Luiz Carlos; ''Ares do Céu'', de Sombrinha, Sombra e Jotabê; e ''Nos braços da batucada'', do prolífico Arlindo).
Dessa geração, cuja matriz foi o bloco carnavalesco do Cacique de Ramos, também faz parte Mauro Diniz, pai de Juliana. Em 2003, Mauro apresentou a filha cantora em seu (primoroso) Apoteose ao samba, disco em que Juliana, então com apenas 16 anos, dividia com o pai os vocais de ''Alvorecer'', de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho. A faixa foi reproduzida nesse CD de estréia de Juliana. Da dupla, ela ainda grava ''Nasci para Sonhar e Cantar'', onde reafirma sua grande extensão vocal e o tom lírico de suas inflexões. Além de Dona Ivone, a velha guarda do samba é representada no CD por Monarco e Alcino Correia (''Beijo na Boca'') e por Manacéa (baluarte portelense autor da belíssima ''Amor Proibido'').
Da nova geração, Juliana grava Dudu, filho de Zeca e autor de ''Apelido Carinhoso''; e a dupla brasiliense Caio e Milena Tibúrcio (''Não complica''). Grava também Marisa Monte, sua principal referência vocal para além da fonte familiar. Dela, Juliana registra ''Eu sonhei com você'', parceria de Marisa, Arnaldo Antunes e Mauro Diniz. ''Eu quero voltar a escutar/ Dos seus lábios, galáxias dizendo que sim'', diz a feliz letra de Arnaldo. Pairando atemporal sobre as três gerações contempladas no disco, Paulinho da Viola presenteia Juliana com ''Coração aos saltos'', um samba-gafieira que mostra que o sambista está em plena forma como compositor.
Ao invés de engessar ou confundir o sentido geral do CD, esses diferentes extratos de samba fazem do disco uma calorosa celebração da alegria e do romantismo. E prova como o bom samba mantém seu frescor em qualquer época. Em especial, se embalado por uma grande voz como a de Juliana. A árvore frondosa da melhor música brasileira continua dando ótimos frutos. Que assim seja por muito tempo.
Fonte: Felipe Araújo
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