Orelha



Esse é Luiz Carlos Irineu (com Z e sem acento!) mas no Salgueiro só o chamam de Orelha.

Nascido na parte do morro denominada Vovô, é figura respeitadíssima por todos nós, não apenas pelos cabelos brancos e sim por sua história, que se confunde com a da agremiação.


Aliás, não se confunde não! É uma coisa só.

Não é apenas o concurso, a disputa, o campeonato em si que o impulsiona até ali para trabalhar de graça na manutenção e na concepção das peças!

É a responsabilidade sobre um legado que o estimula a continuar cuidando com amor de um patrimônio que viu nascer. E que também lhe pertence!


E isso a gente percebe em seus olhos e também quando fala, com propriedade de criador e ao mesmo tempo de criatura!


Essa raíz aí nasceu e cresceu vendo sua mãe rodar como baiana da Verde e Branco. A Verde e Branco foi uma das três escolas de samba do morro que participou da fusão em 05 de março de 1953, que marcaria o advento do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro.


O Orelha conta que, naquele tempo, as senhoras baianas não usufruíam ainda de armações e para obterem então o efeito rodado nas saias improvisavam:


- Ah! Elas cobriam moitas, sabe? Iam lá com aqueles panos, gomas, forravam moitas e deixavam no sol. Umas largavam a saia ali por até três dias. Quanto mais tempo melhor para armar a roupa.


Foi então que perguntei sobre o tarol. Pra quem não sabe e a quem interessar possa, o tarol é o diferencial na bateria do Salgueiro, assim como é o surdo na bateria da Mangueira.


Orelha me explicou que a fama do tarol do Salgueiro se deve aos primórdios da escola mesmo. Graças a desenvoltura com que os seus ritmistas antigos tocavam esse instrumento, a admiração foi chegando.

E ainda citou uns nomes como exemplo nessa arte: Mario Galego, Neném da Dona Fia, Valtér, Vicente à Jato e Paulo Cesar Sem Bunda.

No entanto, Orelha destacou o Dennis como sua principal referência. Segundo ele, era do Dennis a batida mais bonita!

Ele ainda me explicou como é que o Dennis fazia o tarol:

- O tarol do Dennis era de couro de cabrito. Levava leite, azeite de dendê pra ficar macio. Deixava absorver bem, secando na sombra normalmente, até ficar curtido. Antigamente couro de boi e de búfalo também era usado.


Orelha revelou ainda que, além de fera no tarol, o Dennis soltava muita pipa. Era comum vê-lo empinando papagaios inclusive perto da casa do próprio Orelha.

Pequeno mas nada bobo, observava e aprendia. Foi crescendo e ajudando a colorir um céu cheio de rabiolas durante o dia e integrando o som que reverberava à noite.


O Orelha conta que os ensaios eram realizados no morro do Salgueiro mesmo, aos domingos, por volta das 18 horas e que o Bira de Xuxa, então mestre da bateria naquela época (anos 60) era quem o levava para o terreiro.


Ah, é! A quem interessar possa também, o Bira de Xuxa era o pai do Marcão, mestre da bateria do Salgueiro desde 2004 (se não me engano!). Filho de peixe, peixinho é!


Foi aprendendo, depois do tarol, a tocar os outros instrumentos e foi contruibuindo, talvez até sem perceber, para o engrandecimento dessa instituição que o Salgueiro, enquanto escola de samba, é hoje.


Ele só não tem paciência é para ensinar. E fala isso com todas as letras!
Dá uma opinião ou outra se pedirem e tal mas nem adianta solicitar uma aula que ele não pára pra isso.

Em compensação, já são dois filhos na bateria Furiosa e três netos na Aprendizes do Salgueiro, a escola mirim da vermelho e branco da Tijuca.


Passado e futuro presentes!

E o Orelha é o elo!
Um elo capaz de proporcionar a interação entre o ontem e o hoje. Capaz de transcender o caráter comercial que banalizou a legitimidade de uma das mais lindas expressões que compõe o cenário cultural brasileiro.


Um privilégio poder ouvir essas e outras histórias.
Uma obrigação respeitar esses passos... e essas batidas!

Fonte: Juliana (A Tuca!)

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